Alunos
Estudante com Síndrome de Down do IFSertãoPE é a primeira do Brasil a concluir curso superior de Viticultura e Enologia
A jovem Tâmara Alencar gravou seu nome na história do Instituto Federal do Sertão Pernambucano (IFSertãoPE) e do Brasil. Este ano, ela se tornou a primeira estudante com Trissomia 21, alteração genética também conhecida como Síndrome de Down, a concluir o curso Superior de Tecnologia em Viticultura e Enologia, ofertado pelo campus Petrolina Zona Rural.
Tâmara ingressou no IFSertãoPE no ano de 2020, aprovada no Sisu em primeiro lugar nas cotas para pessoas com deficiência. Em sua trajetória, motivo de orgulho para a família, servidores, colegas, enfrentou inúmeros desafios, como a pandemia de Covid-19, a necessidade de adaptação dos conteúdos e atividades, tanto teóricas como práticas, a distância de sua casa, no município de Juazeiro (BA) até o campus localizado na zona rural de Petrolina, mas sempre com determinação e gana de se formar.
O foco nos estudos vem de pequena. Maria Crisley Alencar, mãe de Tâmara, diz que ela sabe o que quer. “Sempre dei liberdade de escolhas, desde pequenina”. Segundo Crisley, todo esforço foi da jovem. “Sempre foi um sonho dela cursar uma faculdade e eu confesso que achava quase impossível, mas nunca duvidei da sua fé e da sua capacidade”.
O dia 18 de fevereiro de 2025 foi um marco em sua vida, quando apresentou o Trabalho de Conclusão de Curso, sendo aprovada. Tâmara agora espera a colação de grau, que acontece ainda neste semestre, para, enfim, empunhar seu diploma de tecnóloga em Viticultura e Enologia. “Só tenho a agradecer mesmo, uma felicidade”, declarou a estudante.
INCLUSÃO – A professora Elis Nogueira era a coordenadora do curso de Viticultura e Enologia quando Tâmara Alencar começou a frequentar a instituição. Para ela é um orgulho vê-la conquistando a formação como tecnóloga.
“Não só eu, acho que todo mundo se sente muito orgulhoso de ver onde Tâmara chegou e nós também, porque conseguimos fazer sua inclusão. Ela não estava simplesmente na sala de aula, a gente fez com que ela aprendesse na sala de aula. A gente conseguiu inclui-la dentro do estudo e isso é um orgulho, é prazeroso ver o desenvolvimento dela e o potencial que tem e onde consegue chegar. A gente foi, durante esse percurso, entendendo a limitação dela e mostrando que ela conseguia um pouco mais, sempre respeitando seu espaço”, afirmou.
A trajetória, no entanto, foi desafiadora. Os professores precisaram de formação e orientação no sentido de conseguir adaptar as atividades e assim incluir Tâmara de modo que ela conseguisse ter acesso pleno aos conteúdos previstos. Para isso, a estudante e os professores contaram com o apoio do Núcleo de Atendimento às Pessoas com Necessidades Específicas (Napne), que direcionou o processo com a oferta de capacitações para professores, acompanhamento constante da aluna e diálogo com seus pais.
“Não vou dizer que foi algo simples, porque foi novo para o nosso campus, tivemos algumas resistências. Ela conseguiu ver a grade disciplinar completa, com apoio também de uma professora de Atendimento Educacional Especializado, professora Zurildes Nunes. Foi uma questão de conjunto mesmo, de cada um ajudar o outro”, afirmou a coordenadora do Napne, Márcia Efigênia.
Elis Nogueira reforça o quanto a presença de Tâmara motivou tantos aprendizados. “Tivemos que buscar em outros institutos, para ter formação para os professores. Pensei no bem estar dela, aprendi metodologias ativas e a Direção de Ensino trouxe esses cursos para a gente trabalhar não só com ela, mas com todos os outros. Os professores começaram a entender o que eram aquelas metodologias e como os conteúdos poderiam ser abordados, porque ela não conseguia absorver 100% da disciplina, mas o que ela absorvia era bem trabalhado”, explicou.
Para Márcia, o aprendizado foi de todos. “A gente ganha muito mais por acolher eles. Me sinto realizada, ver o progresso do outro é maravilhoso. Sinto, de fato, que a gente abre caminhos. Nunca vamos estar 100% preparados. São pessoas, vivências, culturas diferentes, então quando a gente vai receber a pessoa com deficiência procuramos conhecer primeiro para saber como vai lidar. Vai ser sempre um desafio. Mas o bom é que todos nós estamos abertos a esse desafio, aí é que está a diferença”.
Além da presença do Napne, os alunos da turma de Tâmara tinham o carinho de ajudar, de incentivar, adaptando os trabalhos para que ela também pudesse participar, tendo ainda o acompanhamento de monitores.
Miriam Gomes, colega de turma de Tâmara, foi uma das monitoras que a acompanharam. As atividades envolviam vídeos, criação de jogos adaptados com os temas estudados, dentre outras ferramentas utilizadas sob a supervisão do Napne. Para Miriam, foi uma experiência incrível. “Ao longo da monitoria, a gente percebeu que Tâmara é capaz de fazer muito mais do que quando ela chegou. Hoje ela é um exemplo para todo mundo”.
No final do curso, a partir de novembro de 2024, Tâmara iniciou estágio no Laboratório de Vinificação da Escola do Vinho, participando diretamente do processo de elaboração de vinhos, acompanhada pela enóloga e coordenadora do laboratório, Renata Barros.
“Quando ela iniciou o estágio, chegou no meio de uma vinificação grande que estava sendo realizada na Escola do Vinho e então ela trabalhou como qualquer outro estagiário. Já perto de encerrar o estágio dela, esqueci que ela tinha limitações. Estou triste que ela está indo embora, mas muito feliz pela conquista”, disse Renata.
Em seu Trabalho de Conclusão de Curso, a estudante teve como projeto “Elaboração de geleia: uma visão inclusiva”. Segundo a professora Elis Nogueira, que foi sua orientadora, o TCC também foi adaptado de maneira que ela conseguisse passar seu entendimento sobre o assunto. “Tâmara desenvolveu muito bem, lembrou todos os pontos e foi contando dentro da visão dela, da vivência dela de forma prática”.
Os sonhos de Tâmara não pararam nessa conquista que é tão significativa. Ela já decidiu o que fazer como tecnóloga em Viticultura e Enologia: abrir uma loja especializada em vinhos em Juazeiro, onde também pretende elaborar geleias para comercializar.
Texto: Inês Guimarães/ Ascom
Fotos: Arquivo pessoal